Refletir sobre o conceito de gêneros do discurso na perspectiva bakhtiniana significa entender a língua como manifestação da realidade, de outro modo, significa dizer, ainda, que é a partir das situações reais de uso concretizadas pela imensa variedade textual existente na sociedade que se representam os gêneros do discurso. Esses, por sua vez, são compreendidos como enunciados que atendem a fins específicos de manifestação da língua. Assim Bakhtin (200, p. 279): Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre relacionadas com a utilização da língua [...]. O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo temático e por seu estilo verbal, ou seja, Pela seleção operada nos recursos da língua- recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais, mas também e, sobretudo, por sua construção composicional.
Nessa perspectiva, o enunciado é entendido como manifestação da língua em uso, comportando “formas – padrão”, que por sua vez permutam de acordo com várias temáticas e estilos diferenciados. São exatamente essas formas que constituem os gêneros, “tipos relativamente estáveis de enunciados” (Bakhtin, 2000, P. 279) que estão relacionados ao contexto sócio-histórico, demarcados por diversas situações que os determinam e os caracterizam enquanto materialização da língua: temática, composição e estilo.
De acordo esse pensamento os gêneros do discurso mostram-se, pela sua condição, como sendo heterogêneos, ou seja, composto por partes diferentes, por isso, é necessário considerar a natureza do enunciado. Levando em conta a diversidade existente entre os gêneros, Bakhtin (2000) como sabemos o linguista faz uma distinção entre gêneros classificando-os como: primários e secundários. Para tal distinção, explica que são os primários diálogo, carta, estando, pois, ligados a situação espontâneas do cotidiano. Já os gêneros secundários, estão presentes em universos um pouco mais complexo, como romance, teatro, discurso ideológico, etc. Sendo decorrentes da transformação dos gêneros primários. Sobre essa diferenciação, Bakhtin (2000, p. 281-2) coloca: “a distinção entre gênero primário e gênero secundário tem grande importância teórica, sendo esta a razão pela qual a natureza do enunciado deve ser explicada e definida por averiguações de ambos os gêneros”.
Pela sua particularidade, a compreensão de gênero de Bakhtin (2000, p. 291) revela que o mesmo se configura de acordo com as transformações sócias e diárias, modificando sua arquitetura, organização e estilo. Nas suas palavras, “a variedade dos escopos intencionais daquele que fala e escreve”.
Dessa maneira, podemos entender, de acordo com o autor, que um gênero apresenta características como: forma, conteúdo temático e, principalmente, estilo, pois este se configura enquanto elemento constitutivo do gênero. Assim Bakhtin (2000, p. 286-289), “quando há estilo há gênero”. Desse modo, o estilo não é apenas uma marca para determinado gênero, mas é indissociável do gênero, do ponto de vista composicional. Em termos gerais, os gêneros discursivos, definidos por Bakhtin, são formas distintas de enunciado que refletem a variedade da língua e manifestam do seu estilo próprio do indivíduo que é visto nas várias possibilidades do tema sendo, portanto, nessa perspectiva que compreendemos gêneros.
Porém é necessário mencionar também que a visão Bakhtiniana da linguagem vai de encontro ao conceito sobre a visão saussuriana da linguagem na medida em que a visão saussuriana entende a fala como fenômeno individual e o sistema linguístico como fenômeno social, como se fosse dois pólos opostos, e a visão Bakhtiniana recusa-se a separar o individual do social.
A visão saussuriana é puramente abstrata, encarando a linguagem como se fosse um sistema estável e imutável de elementos linguísticos idênticos a eles mesmos que pré-existem ao indivíduo falante, a quem não resta opções a não ser o de reproduzi-los. Os elementos linguísticos são vistos por Saussure como sendo objetivos, ou seja, acima de qualquer envolvimento ideológico, sendo que sua unidade preferida de análise é a sentença.
Para Bakhtin, a linguagem é um fenômeno profundamente social e histórico e, por isso mesmo, ideológico. A unidade básica de análise linguística, para Bakhtin, é o enunciado, ou seja, elementos linguísticos produzidos em contextos sociais reais e concretos como participantes de uma dinâmica comunicativa. Para Bakhtin, o sujeito se constitui ouvindo e assimilando as palavras e os discursos do outro, fazendo com que essas palavras e discursos sejam processados de forma que se tornem, em parte, as palavras do sujeito e, em parte, as palavras do outro.
Todo discurso, segundo Bakhtin, se constitui de uma fronteira do que é seu e daquilo que é do outro. Esse princípio é denominado dialogismo. Ele coloca a produção e compreensão de todo enunciado no contexto dos enunciados que o precederam e no contexto dos enunciados que o seguirão; assim cada enunciado ou palavra nasce como resposta a um enunciado anterior, e espera, por sua vez, uma resposta sua. O sujeito é visto por Bakhtin como sendo imbricado em seu meio social, sendo permeado e constituído pelos discursos que o circundam. Cada sujeito é um híbrido, ou seja, uma arena de conflito e confrontação dos vários discursos que o constituem, sendo que cada um desses discursos, ao confrontar-se com os outros, visa a exercer uma hegemonia sobre eles. Essa visão contrasta com a visão saussuriana, que por sua idealização, presta à linguagem uma aparência falsa de harmonia, neutralidade e objetividade.
Para Bakhtin a linguagem é vista dessa forma, como arena de conflitos, é inseparável da questão do poder; para ele, cada signo, mais do que um mero reflexo, ou substituto da realidade, é materialmente constituído no sentido de ser produzido dialogicamente no contexto de todos os outros signos sociais. O que acontece com o indivíduo enquanto ser social acontece também com a comunidade; ou seja, como um indivíduo, a comunidade também se constitui em arena de conflito de discursos concorrentes, um fenômeno que Bakhtin chama de polifonia ou heteroglossia. Segundo esses conceitos, cada língua, como cada indivíduo, é formada por variantes conflitantes – sociais, geográficas, temporais, profissionais etc. – todas sujeitas à questão do poder. O poder é instável e mutável, sob constante ameaça dos outros elementos da polifonia que visam desalojar o elemento que, porventura, seja o dominante em dado momento. Essa caracterização do poder aponta para a necessidade da negociação.
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